terça-feira, 15 de março de 2016

Um pedido de desculpas: O vírus deu Zica.

Há alguns dias postei um parágrafo no facebook demonstrando meu senso crítico sobre Zika vírus com as seguintes palavras:

"Por que ninguém divulga quantos casos de mulheres grávidas com Zica vírus não tiveram seus filhos com microcefalia?
Não destrato os dados epidemiológicos, mas não é (apenas) a relação de causa e efeito que demonstra o que acontece na real. Precisamos de mais dados científicos, estudar mais, mais pesquisa de bancada em cima disso.
Teria alguma coisa por trás desse alarde feito na mídia? Não sei! Mas esse questionamento não sai da minha caixola!"

Dias depois, venho eu agora aqui pedir desculpas! Não volto atrás quanto à percepção crítica do processo; ainda acho que tem muita gente se oportunizando do alarde encarecendo seus produtos e raquetes inseticidas. Meu pedido de desculpas vai para a comunidade científica que tem se dedicado de forma incansável em estudos direcionados para isso. Tendo em vista a urgência em saber as verdades sobre Zika vírus e seus efeitos, imagino que esse seja um trabalho que requer tempo e dedicação em dobro.

Em remissão à minha falha, fiz uma busca na internet e encontrei algumas das informações científicas relevantes sobre o tema para compartilhar, o qual descreverei a seguir:

A infecção do Zica vírus apareceu décadas atrás na África e permaneceu por lá até a década passada, quando chegou na Ásia e agora na América do Sul e Central. O vírus é transmitido pelo mesmo vetor da dengue (Aedes aegypti) e provoca sintomas brandos em pessoas afetadas. A grave questão sobre o assunto é a suspeita de efeitos sobre o desenvolvimento embrionário. Essa suspeita surgiu a partir de dados epidemiológicos apontando uma alta relação entre mães acometidas pela virose com filhos afetados por microcefalia (cérebro pequeno anormal). Na busca feita na internet, um artigo em especial me chamou bastante atenção e com dados bastante  relevantes sobre o tema (colocarei a referência ao final do texto para quem tiver mais interesse). É um estudo de caso de uma mãe grávida que teve a doença enquanto estava vivendo no Brasil. Após voltar para Europa, uma ultrasonografia realizada com 29 semanas revelou microcefalia com calcificações no cérebro fetal e placenta. A mãe pediu interrupção da gravidez* e uma autópsia fetal foi realizada. O vírus foi encontrado no tecido cerebral fetal acompanhado de lesões graves no cérebro. Nesse estudo de caso, não houve alterações patológicas em outros órgãos fetais para além do cérebro, sugerindo um forte "preferência" do vírus pela região cerebral, embora o mecanismo envolvido com isso não esteja claro. 

Além do Zika, muitos agentes como esse já foram retratados por causarem graves efeitos sobre o desenvolvimento fetal. Fatores que envolvem malformações ao nascimento são denominados teratógenos (palavra derivada de modo deselegante da palavra grega para monstro, mais -gen, que significa causa). Um exemplo de teratógenos bastante conhecido é a Talidomida, um sedativo amplamente utilizado nos anos 50, capaz de causar malformações ao nascimento gerando a síndrome de talidomida. Outro exemplo é o álcool, capaz de causar efeitos graves no sistema nervoso central  por ser altamente tóxico ao encéfalo em desenvolvimento. 

O fato de teratógenos causarem efeitos sérios no nascimento e, por vezes, terem nenhum ou pouco efeito em pacientes, ocorre porque vias moleculares e celulares são diferentes durante o desenvolvimento e na vida adulta (aliás, algumas dessas vias são usadas somente durante o período embrionário; em adultos essa via pode não funcionar mais ou ter um propósito totalmente diferente). Isso pode explicar o fato da virose da zika causar efeitos tão brandos em adultos e com uma suspeita de efeitos tão graves no desenvolvimento.

Como visto, muitos mecanismos estão envolvidos e podem interferir no processo de desenvolvimento. Hoje, muitos estudos têm se voltado para a influência de fatores ambientais na ocorrência de defeitos congênitos. Conhecer o efeito de determinadas substâncias sobre a malformação fetal é essencial. Estudar sobre isso é também cuidar de nosso futuro, de nossos filhos e netos.

*No Brasil, é permitido interromper gravidez no caso de estupro, mas não há legislação a favor em caso de malformações.

Referência:
Mlakar et al. Zika Virus Associated with Microcephaly. The New England Journal of Medicine, February, 2016.