sábado, 20 de fevereiro de 2016

Telômeros: o relógio molecular do envelhecimento




Raimunda Faustino de Souza é uma senhora de 96 anos, viúva, 11 filhos e possui uma saúde física e mental admirável considerando seus mais de 35 mil dias vividos. Os mais próximos de Dona Raimunda relatam que ela sempre teve uma vida saudável acompanhada de boa alimentação e convivência familiar. O desejo de uma boa velhice é um futuro que todos queremos, mas para isso precisamos entender que os semeios desta colheita começam agora, já na vida atual. Para entender isso, vamos mostrar hoje como que a genética e os estilos de vida podem garantir uma boa saúde futura.

Todos nós sabemos que o DNA é o nosso material genético. Esse material está confinado dentro do núcleo das células e durante o processo de divisão celular cada filamento de DNA encontra-se de forma compactada e formam estruturas individualizadas, denominadas cromossomos (Observe na Figura 1). Nós humanos possuímos 46 cromossomos, o que corresponde a 46 moléculas de DNA; 23 recebemos do pai e 23 da mãe. 

 

Figura 1. O DNA está dentro do núcleo das células. Durante a divisão celular cada filamento de DNA 
encontra-se individualizado de forma compactada em estruturas denominadas de cromossomos.

O cromossomo possui uma estrutura peculiar em suas extremidades que são denominadas de telômeros (Figura 2a). Essas estruturas são responsáveis pela integridade dos cromossomos, sendo capazes de proteger contra o processo de degradação e impedir a ligação com outros cromossomos, por exemplo. Eles funcionam como fitas isolantes das extremidades. Comparando com os cadarços de um sapato, os telômeros seriam como as pontas isolantes que não permitem que os cadarços sejam desfiados e se desfaçam.

A cada vez que a célula se divide, os telômeros dos cromossomos são encurtados de tal forma que chega um momento em que eles se tornam tão curtos que as células não são mais capazes de dividir levando a destruição dos cromossomos e à morte celular É por isso que os telômeros funcionam como um relógio molecular. Assim, a maior parte das células do nosso corpo são capazes de um número limitado de divisões. Uma exceção a esse processo ocorre nos gametas ou células germinativas. Elas contém uma enzima especial, denominada telomerase, capaz de manter os telômeros em tamanhos sempre constantes. Essa enzima, em condições normais, não é expressa no restante das células do corpo, entretanto, muitas células de câncer tornam-se capazes de expressá-la e a célula adquire uma capacidade ilimitada de se dividir. Logo, isso parece ter uma provável relação direta com o processo de progressão tumoral.

O fato dos telômeros serem considerados um relógio molecular do envelhecimento advém do fato de uma correlação muito forte entre a diminuição do tamanho dos telômeros de acordo com o passar da vida. Uma das primeiras evidências disso foi observada na clonagem da ovelha Dolly. Desde muito cedo, o clone desenvolveu características do processo de envelhecimento e após 6 anos de vida morreu precocemente devido a uma doença crônica e degenerativa nos pulmões. Como o clone foi advindo de células adultas de outro indivíduo, vários ciclos celulares já teriam ocorrido mesmo antes que a ovelha nascesse.

Outra evidência bastante forte para o encurtamento dos telômeros durante o processo de envelhecimento ocorre em indivíduos que possuem uma síndrome rara conhecida como Progeria, onde crianças desenvolvem características de envelhecimento desde o nascimento, tornando-se progressivo já nos primeiros anos de vida (Figura 2b).

Figura 2. a) Telômeros sinalizados em verde na ponta de todos os cromossomos (Foto: Adauto Cardoso). 
b) Menina com progeria aos 15 anos de idade (Snustad e Simmons, 2008).

Tendo em vista o conhecimento adquirido a respeito do processo dos telômeros enquanto relógio molecular do envelhecimento, pesquisas atuais têm relacionado também um papel importante da dieta e do próprio estilo de vida no progresso do processo de encurtamento dos telômeros. Estudos recentes apontam que muitos fatores podem contribuir para o encurtamento mais acelerado dos telômeros, dentre os quais destacam-se o papel da nutrição, prática de exercícios físicos, estresse e fatores psicológicos. Uma correlação positiva no processo de encurtamento dos telômeros já foi vista em relação a fatores como a depressão, estresse, traumas de infância, pessimismo, consumo de carne processada e índice de massa corporal elevado. Por outro lado, uma combinação entre boas práticas de exercícios físicos com uma dieta saudável parece minimizar esse processo.

Diante de tudo isso e tendo e vista o modelo atual da vida moderna, nos tornamos muito propensos a sofrer vários efeitos de um estilo de vida inapropriado. Portanto, cuidar da saúde do corpo e da mente representa uma boa estratégia para a manutenção do nossos genes saudáveis e evitar que nossos cabelos brancos cheguem mais cedo.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A juventude Científica



       Oi, meu nome é Karina, tenho 27 anos, sou bióloga, geneticista e estou no último ano do doutorado. Contrariando todas as regras do condicionamento social, nasci amiga dos livros, dos estudos e também das reflexões. E por isso, trago este texto como breve apresentação de quem sou eu. Sofro de “juventude científica”, estou adoecida pela necessidade de realizar-me, de querer ir além. O jovem cientista brasileiro não tem quase nada nessa vida senão os sonhos para o futuro e pela carreira que nos espera. Na vida científica, fazemos planos de vida e muitas vezes acreditamos que o sucesso se concentra em um futuro distante e a maioria dos jovens cientistas (eu me incluo aqui) despertam sintomas de ansiedade desde cedo por conta disso. Portanto, vou usar este espaço de apresentação do blog para contar a vocês como consegui fazer que esse sentimento não se tornasse destruidor. Espero contribuir para que nunca se torne a nenhum de nós. Sim jovens, o mundo precisa da gente, e muito! Desafios e recompensas estão à frente daqueles que escolheram se dedicar à vida acadêmica. Nós fizemos sim a escolha certa e devemos usufruir desse sentimento de “juventude científica” na construção de uma boa carreira.
A primeira pergunta que vem a tona nesse contexto é como fazer que os planos para o futuro já ofereçam a realização no agora? A resposta está na satisfação de uma rotina simples, mas feliz. A vida acadêmica nos coloca diante de uma busca constante por resultados. Devemos ter sempre muito cuidado para não se alienar demais com a busca de resultados e não perceber o encantamento escondido nos preparos. Muitas vezes as descobertas estão escondidas no meio do caminho e nem nos damos conta disso por estar na ânsia de finalizar. O processo nos esconde oportunidades que os resultados não nos dão: o aprendizado. E nós não podemos deixar isso passar. O profissional que seremos mais tarde é a somatória do que vivemos nesse processo de formação e, se soubermos usufruir disso, a vivência do agora já valeu por si só. Sim, os erros nos ensinam tanto quanto, e ouso dizer que até mais, que os acertos. Eles nos trazem a persuasão de correr atrás, ir em busca de soluções e independência em resolver problemas.
Aproveitar os benefícios do processo de construção nos dá a certeza de que estamos no lugar certo e fazendo a coisa certa, sentindo-se realizados no contexto das escolhas feitas. Por muitas vezes, já me deparei com professores que estão cansados porque se esqueceram de renovar os motivos que os trouxeram até aqui. Em qualquer lugar no mundo a vida é feita de rotinas, devemos viver dia após dia aquele prazer que um dia moveram nossas escolhas, não podemos deixar que ela fique pelo caminho. Alias, acredito que em qualquer âmbito de nossas vidas esse vai ser um fator recorrente.
Cientistas, estamos aqui para explicar o mundo! Você percebe a grandeza disso? A ciência é como uma caixinha preta. Imagine que o seu objeto de pesquisa está dentro dela e para descobrir o que há dentro, você pode cheirar, carregar, sacudir, observar o peso, entre outras possibilidades (isso é sua metodologia). Várias hipóteses serão testadas até que se chegue à conclusão do que há ali dentro de verdade. A ciência também é feita de hipóteses e isso sempre te levará ao risco de estar certo ou não. Se você tem certeza de que sua metodologia está bem empregada não há o que temer (aliás, o bom pesquisador sempre deve ir em busca do aperfeiçoamento metodológico, principalmente quando se fala de ciência experimental). O resultado pode ser qualquer possível e caberá a você explicá-lo. E você terá que se dedicar a isso. Entender dados e explicá-los não é uma tarefa fácil, exige muito estudo. Ás vezes exige pausas também; ideias fixas podem ser perigosas em qualquer contexto, então é necessário parar de vez em quando, viajar, sair com os amigos, sentar num barzinho, bater um papo e tomar uma cerveja. Corpo e mente precisam de cuidados diários. Mentes arejadas pensam com muito mais liberdade. Um “momento eureca” pode vir a qualquer hora do dia e em qualquer circunstância.  Depois disso, o amor pelo que faz te trará de volta ao trabalho. Se você ama ciência, um trabalho duro e dedicado nunca resultará em sacrifício.
A percepção disso torna a nós cientistas muito intensos nas escolhas feitas. E é por isso também que não podemos deixar perder de vista um cuidado essencial que devemos ter nessa profissão: não deixar que a vaidade nos tome conta (isso também vale para a vida profissional e pessoal). Estamos aqui para servir pessoas e não satisfazer o ego de nossas realizações pessoais.
A razão deste blog é uma tentativa de popularização da ciência. Em outras palavras, vou usá-lo como veículo para exposição de assuntos científicos numa linguagem mais acessível para aqueles que têm curiosidade sobre ciência (Veja o primeiro texto: Telômeros: o relógio molecular do envelhecimento). Nós cientistas, almejamos que nossos resultados possam ser vistos em revistas de circulação internacional de alto impacto para a comunidade científica. Não estou julgando a importância disso (eu também luto para que meus artigos estejam lá), mas confesso que me falta um espaço a ser preenchido. Sinto falta que esse conhecimento possa chegar àquelas pessoas que estão ao nosso lado, uma vez que a maior parte dessas revistas são pagas, e mesmo que todos tivessem acesso, a linguagem seria quase que incompreensível para a maioria da população. Essa iniciativa é também uma realização na tentativa de ver os frutos da minha escolha profissional já no momento presente: espero contribuir desde já neste trajeto enquanto cientista. Nessa profissão eu sou feliz por escolha!