segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A escolha é sua.

Gosto de culinária, pintura, corte, costura e ciência. Tive uma criação firme, de valores tão fortes para que eu cuidasse da vida. Fiz biologia, entrei no mestrado e tô finalizando o doutorado. Aprendi a fazer bolo aos sete anos. Os ingredientes do bolo se misturaram, sinto prazer em costurar almofadas e uma alegria imensa ao saber que estou me realizando profissionalmente. No laboratório ou na cozinha de casa, fui criada para ser independente.
Uma confusão entre o tradicional e o moderno. Somos a geração criada para ganhar o mundo. Papai ficava muito feliz em chegar em casa e se deliciar com os quitutes que preparava para sobremesa, mas nunca vi seus olhos brilharem tanto quanto no dia que passei no doutorado. Mamãe me ensinou a costurar antes dos dez anos, mas incentivou as boas notas na escola muito antes disso. O que valia para mim, valia para o meu irmão.
Sonho em encontrar o amor da minha vida, casar, ter filhos. Me vejo realizando profissionalmente, terminando o doutorado, seguindo carreira docente e acadêmica. Tenho planos. Quem disse que não dá? Recentemente conheci um garoto, começamos a namorar. Ele gosta de corrida e andar de bicicleta. Ontem eu fiz um pão caseiro. Ele gostou. Antes disso tinha me convidado para correr com ele. Senti um companheirismo. Me fez sentir bem, andar lado a lado. Independência emocional também faz parte da nossa geração. Felicidade compartilhada é a melhor que existe. Ele tá me fazendo feliz. Quero fazer o mesmo por ele. Cozinhar pra ele, correr com ele, ver filme, discutir política, falar de futebol. Carinho compartilhado é muito sincero.

Não sou feminista, não sou machista, sou a favor da escolha certa. Podemos ficar em casa cuidando dos filhos? Podemos. Podemos sair, viajar, trabalhar, conquistar o mundo? Também podemos. E os dois? Como ser mãe, trabalhar, cuidar de casa, da família e do marido? Como conciliar tudo? Mulheres do século XXI, o desafio foi aceito. A escolha é nossa. Não tem nada de errado escolher cuidar em casa, dos filhos, do almoço e do jantar (são formas lindas de demonstrar amor). Também não tem nada de errado em estudar, trabalhar, viajar à negócios e praticar artes marciais. Apenas a escolha é sua!


Se gostou do tema e gosta de ciência, indico uma ótima leitura:
https://medium.com/@ingridreale/marie-curie-aa3abcc4f711#.45b6oom9v

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Filho de peixe, peixinho é: a transmissão de caracteres segundo o olhar de Mendel

Parece lógico o fato de gatos terem sempre filhotes gatinhos, cachorros filhotes cachorrinhos e peixes terem peixinhos. Pois bem, mas qual a causa de gatos não terem filhos cachorros (ou vice-versa)? O que (e quem garante) que isso aconteça com precisão? A resposta está no DNA. Já falamos em publicações anteriores que o DNA é o nosso material genético. É ele que garante que a transmissão das características de pai para filho a cada geração.
O primeiro a estudar os padrões de herança de caracteres foi Mendel, um monge austríaco, em um período muito anterior a descoberta do DNA enquanto material genético. Ele iniciou seus experimentos fazendo vários cruzamentos com plantas e observando os efeitos na prole. A escolha do modelo experimental adequado permitiu que as pesquisas de Mendel fossem aplicadas com sucesso: a ervilha de jardim. Além de ser facilmente cultivável, as pétalas dessa planta apresentam suas flores fechadas, o que significa dizer que gametas masculinos e femininos de uma mesma planta têm mais chance de cruzar. Isso gera plantas puras, que na linguagem genética são chamadas de homozigotas para uma determinada característica. Assim, as ervilhas de jardim apresentavam, de um modo geral, características contrastantes e facilmente observáveis: plantas altas e baixas, ervilhas lisas e rugosas, ervilhas verdes e amarelas. A partir dessas características e de cruzamentos experimentais, Mendel pode observar os efeitos de cada uma dessas características na prole após os cruzamentos.
O primeiro experimento de Mendel foi realizando o cruzamento entre plantas altas e baixas. Desse cruzamento, observou-se que todas as plantas da prole eram altas, independentemente do cruzamento que fazia (plantas masculinas altas com plantas femininas baixas ou plantas masculinas baixas com plantas femininas altas). Então ele resolveu fazer uma autofecundação dessas plantas geradas e algo inesperado aconteceu: houve surgimento tanto plantas altas quanto plantas baixas, na proporção de 3:1. A observação surpreendente foi de que plantas baixas reapareceram, levando Mendel a supor que algum fator estaria escondido nos indivíduos resultantes do primeiro cruzamento. Ele disse que o fator camuflado seria o recessivo e o fator expresso seria o dominante. Ele também deduziu que os fatores dominantes e recessivos se separavam quando plantas híbridas eram produzidas, o que podia explicar seu reaparecimento na segunda geração.
            Dessa forma, determinou-se a 1º Lei de Mendel ou o Princípio da Dominância e Segregação. Na linguagem da genética moderna, as observações de Mendel permitiram chegar as seguintes conclusões:
- Um fator hereditário, denominado gene, seria o responsável por determinar características de plantas.
- Cada planta tem um par deste tipo de gene.
- Este gene pode apresentar formas diferenciadas denominadas alelos; se os alelos forem da mesma forma o indivíduo é homozigoto; se forem de formas diferentes, é heterozigoto.
- Na meiose, o par de alelos pode ser separado formando os gametas. Essa separação é a lei da segregação independente, referida por Mendel.
- Na fecundação os alelos se combinam aleatoriamente, determinando o fenótipo do indivíduo.


Partindo dos pressupostos acima, observe como se deu o cruzamento e a determinação das características:
Mendel também fez experimentos com plantas que diferiam em duas características e observou os efeitos na prole. Tomaremos como exemplo ervilhas lisas e rugosas; verdes e amarelas. Mendel pegou ervilhas amarelas e lisas e cruzou com verdes e rugosas. Após esse cruzamento ele observou somente ervilhas amarelas e lisas. Mas, ao autofecundar essas ervilhas, ele observou diferentes combinações possíveis na proporção de 9:3:3:1. Dessa forma, Mendel pôde prever sua 2º Lei: Princípio da Distribuição Independente, em que alelos de genes diferentes distribuem-se de forma independente um dos outros. Observe como ele chegou no seguinte resultado:
            
              Os experimentos de Mendel, estabeleceram que os genes existem em formas alternativas. Como foi dito, ao estudar características individuais, ele propôs que cada gene possui dois alelos, um dominante e outro recessivo. Sua teoria é plenamente aplicável para explicar a atribuição e a transmissão de caracteres. Porém, estudos posteriores ao seu, mostraram que muitas vezes uma característica ocorre devido a interação de múltiplos genes. É como se eles agissem em conjunto, um influenciando na ação do outro. Em outros casos, os padrões fogem aos pressupostos de Mendel porque muitos alelos existem para além de duas únicas formas e cada um deles pode ter um efeito diferente no fenótipo. A esses padrões que fogem aos pressupostos de Mendel, conhecemos como extensões do Mendelismo. De qualquer forma, Mendel é hoje considerado o pai da genética e seus estudos foram o pontapé inicial para tudo que hoje se conhece da genética e transmissão das características ao longo das gerações.


Referências consultadas:

SNUSTAD, P., SIMMONS, M. J. Fundamentos de Genética (4ª Edição). Ed. Guanabara, 2008.
PIERCE BA. Genética, um enfoque conceitual. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

sábado, 2 de julho de 2016

O ciclo da vida: mitose e meiose em poucas palavras.




Neste exato momento enquanto estou escrevendo passa meu cachorro na sala. Enxergo dois olhos, um nariz e uma barriga (bem gorducha). Meu cachorro é muito parecido a mim; o universo é bem parecido a mim. "O nitrogênio em nosso DNA. O cálcio em nossos dentes. O ferro em nosso sangue. O carbono em nossas tortas de maçã. Fomos criados no interior de estrelas em colapso. Somos feitos do mesmo material das estrelas". Nesta frase, Carl Sagan questiona sobre nossa existência: seríamos uma tentativa viva das estrelas explicarem a si mesmo? Cálcio, ferro, carbono, o que está no universo também está em nós. E você aí, se achando o centro do universo! Isso também traria uma longa reflexão sobre a vida e seus egos (nossos egos). Mas quem sou eu, né? Esse blog está aqui para informar: mitose e meiose são os temas em questão.
O ciclo da vida é o conjunto de transformações que passamos para assegurar nossa continuidade. Mitose e meiose também nos trouxeram até aqui. A mitose regula a divisão das células do corpo e os efeitos de regeneração tecidual. A divisão mitótica normalmente resulta em duas células filhas, cada uma com cromossomos e genes idênticos ao da célula mãe. A meiose ocorre somente nas células germinativas e resulta na formação de células reprodutoras (gametas).
O ciclo celular é caracterizado por duas fases principais: intérfase e divisão celular. A intérfase é o período em que a célula passa a maior parte da vida. Na intérfase a célula pode passar por três períodos distintos: G1, S e G2. As células podem passar horas em G1, outras um longo tempo ou até anos; alguns podem permanecer em G1 para executar suas funções, sendo neste caso esse período denominado de G0. No caso das células que se dividem, G1 é seguido por S, uma fase em que vai ocorrer a duplicação do material genético. No final de S, a célula contém duas cópias do genoma (dobro de DNA). Após a fase S, a célula entra em G2, momento em que se prepara para a divisão celular sintetizando proteínas e substratos necessários para tal.
A mitose é divida em quatro fases principais: prófase, metáfase, anáfase e telófase. Na prófase inicia-se o processo de condensação dos cromossomos, a carioteca é desmontada e os centrossomos se posicionam em pólos opostos da célula para formar o fuso mitótico. A metáfase é o período de maior condensação cromossômica e os cromossomos se alinham na placa equatorial. Na anáfase as cromátides migram para pólos opostos e na telófase os cromossomos começam a se descondensar e a membrana nuclear começa a se formar ao redor de cada um dos núcleos filhos. Ao final da divisão celular o citoplasma é clivado em um processo conhecido como citocinese.
            A meiose é o processo pelo qual ocorre a formação dos gametas. A duplicação de DNA é seguida por duas etapas de segregação cromossômica: a segregação de cromossomos homólogos (meiose I) e a segregação de cromátides (meiose II). A meiose I é notável devido ao processo de recombinação genética, onde é trocado segmentos homólogo de DNA entre as cromátides de cromossomos homólogos. Isso assegura que nenhum dos gametas produzidos seja igual um ao outro. A meiose II segue a meiose I sem uma etapa intercalada de duplicação do DNA e dessa forma, as células filhas formadas possuem a metade de cromossomos em relação a célula mãe.
                Encerro o texto desse mês com essa figura feita pelos alunos na aula prática que demos da última disciplina Genética Toxicológica da UFPA. Parabéns alunos, a lâmina ficou linda e ajudará divulgar nossa ciência neste espaço.


Figura: Fases do ciclo em células de raiz de Allium cepa (cebola).


terça-feira, 24 de maio de 2016

Se expressar é preciso: do DNA à proteína.

Imagine você o nosso planeta e toda sua diversidade. Do alto das montanhas ao fundo dos oceanos, a vida moldou diferentes maneiras de se tornar habitável nos mais diversos cantos do mundo em que vivemos. As diferenças entre os seres vivos no mundo atual, ou mesmo a extinta que é observada nos registros fósseis, nos mostra uma variedade de formas, tamanhos e cores.
Agora imagine que o grande responsável por toda essa diversidade está confinado a uma molécula genética contendo nucleotídeos que se diferenciam entre si pela presença de apenas quatro bases nitrogenadas. Durante muitos anos foi difícil para os cientistas conceberem a ideia de que o DNA era o material genético: uma molécula estável seria responsável por toda a diversidade que existe? De fato fica difícil imaginar que o mesmo material genético contido nos seres vivos mais simples, como as bactérias, seja o responsável também por determinar características em seres tão mais complexos quanto o homem. Por isso, durante muito tempo acreditou-se que as proteínas fossem o material genético. Claro! Um mundo tão diverso quanto ao das proteínas poderia explicar a grande variedade nas formas de vida.
Entender as diferenças entre os seres vivos existentes no planeta sempre foi um desafio do homem. Desde a descoberta do DNA como o material genético, muitos passos foram dados a respeito deste conhecimento. Conhecimento tal que contribuíram para compreender em muitos aspectos os fatores que permeiam a vida. Hoje sabe-se, que embora o DNA possua apenas 4 tipos de bases diferentes em sua composição, elas podem combinar-se de maneiras diferenciadas gerando uma infinidade de genes diferentes. Muito além disso, grande parte dessa diversidade se deve a expressão diferencial desses genes, que pode variar, de célula para célula, de espécie para espécie ou mesmo em estágios de vida distintos em um mesmo organismo. Portanto, se expressar é preciso!! E veremos agora como isso acontece.
O dogma central da biologia molecular diz que a informação genética flui de DNA para DNA, de DNA para RNA e de RNA para a proteína. Este é o caminho da expressão gênica! Em alguns casos particulares o RNA pode servir de molde para o DNA como é feito pela proteína transcriptase reversa em alguns vírus. A transmissão da informação de DNA para DNA é denominado replicação; de DNA para RNA de transcrição; e de RNA para proteína de tradução.
A informação genética é armazenada no genoma por meio de um código (código genético) no qual a sequência de bases adjacentes determina a sequencia de aminoácidos da proteína. Por replicação entende-se o processo pelo qual o DNA se duplica para formar as células filhas após a divisão celular. No processo de expressão desses genes, primeiro o RNA é sintetizado a partir de um modelo de DNA por um processo conhecido como transcrição. O RNA carrega a informação genética através de um intermediário, denominado RNA mensageiro, que é transportado do núcleo para o citoplasma, onde o RNA é codificado, ou traduzido, para determinar a sequencia de aminoácidos da proteína que está sendo sintetizada. A esse processo, dá-se o nome de tradução. A tradução ocorre nos ribossomos, organela constituída por muitas proteínas estruturais em associação com RNA ribossômico. A tradução envolve ainda um terceiro tipo de RNA, conhecido como RNA transportador, que permite o transporte de aminoácidos para a codificação das proteínas no ribossomo. O produto final da maioria dos genes é a proteína cuja a estrutura, por fim, determina sua função particular na célula.

A expressão dos genes codificados no genoma humano envolve um conjunto de relações em diferentes níveis e fatores: estrutura do gene, transcrição, processamento e estabilidade do RNA mensageiro, processamento e degradação proteica. Em alguns casos, variações na expressão do produto final do gene pode ser influenciada por fatores não-genéticos, como alimentação e fatores ambientais. Assim, a expressão regulada dos estimados 25.000 genes codificados pelo genoma humano envolve um conjunto de inter-relações complexas entre níveis diferentes de controle. Para alguns genes, alterações nos níveis de expressão podem ter consequências clinicas diretas, como ocorre em diversas doenças. Visto sob uma outra perspectiva, essa expressão diferencial também tem grande responsabilidade por toda diversidade atual nos seres vivos e constitui a pura essência da genética molecular.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Prefiro morrer do que perder a vida (Chaves; 1977)

Estou citando ele, o bom e velho personagem órfão e quase sempre faminto. Chaves é um dos meus personagens favoritos da televisão. Apesar de desastrado, meio pateta e sempre irritar muito o pessoal da vila, ele é um garoto de bom coração. E eu admiro pessoas desse tipo. Bom, mas a escolha da frase como título deste texto não foi para tagarelar sobre a Turma do Chaves, tão pouco revelar a minha queda por homens de bom coração. Afinal, este espaço aqui serve para divulgar ciência. Então vamos ao ponto! Desde muito pequena, sempre achei esquisita essa frase do personagem, mas só na adolescência entendi a redundância que havia ali. Hoje, coloco aqui porque ela explica um fato muito importante na vida microscópica, pelo qual tenho fascínio absurdo: a apoptose. Na linguagem biológica, dizemos que a célula sofre uma série de modificações: o citoesqueleto sofre colapso, o envelope nuclear é desmontado, o DNA nuclear quebra-se em fragmentos formando corpúsculos apoptóticos e a superfície celular é alterada fazendo com que a célula seja fagocitada, tornando os componentes da célula disponíveis para serem “reciclados” pela célula que a ingeriu.
           De maneira mais geral, podemos definir apoptose como um tipo de morte celular programada, conhecido como suicídio celular. Isso porque nesse processo, células do nosso próprio organismo decidem morrer e fazem isso por um bem. A apoptose está envolvida em eventos chaves do desenvolvimento embrionário, controle de tumores e regulação da população de células do sistema imune. Uma célula contendo uma grande quantidade de danos no DNA, por exemplo, pode ser encaminhada para apoptose, tendo em vista os graves danos que o acúmulo de mutações podem causar em um organismo. É nesse contexto que a apoptose torna-se é um evento importante para evitar a ocorrência de câncer no organismo. A grosso modo*, se uma célula que possui uma quantidade muito grande de danos é morta, ela não pode multiplicar-se para formar um tumor potencialmente perigoso. Então, podemos considerar a apoptose como um evento benéfico de verificação contra células renegadas que de outro modo poderiam proliferar descontroladamente no organismo. Por outro lado, existe o fato também de que muitas doenças humanas são caracterizadas pela ocorrência de apoptose, como é o caso das doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer e Parkinson. Então, como pode a apoptose, sendo um evento benéfico, ser responsável por causar doenças? O fato é que a apoptose normalmente ocorre numa taxa muito baixa, considerada basal no organismo. Assim, apoptoses excessivas podem causar um efeito adverso no organismo, estando dessa forma envolvido com a ocorrência de doenças.
Em procariotos, como em bactérias, direcionar uma célula contendo uma quantidade exacerbada de danos para a morte não faria sentido nenhum, já que esses organismos são compostos por uma única célula e, portanto, sua eliminação resultaria na eliminação do próprio organismo como um todo. Esses organismos, em vez disso, possuem um sistema de reparo de DNA, denominado SOS. Assim, quando a célula contém muitos erros, é ativado uma bateria de proteínas que inserem bases (mesmo que não pareadas corretamente) no filamento de DNA danificado, numa tentativa desesperada de recuperar o DNA. Eucariontes não possuem esse sistema de reparo e, ao invés disso, a célula contendo um alto nível de danos que não podem ser corrigidos é encaminhada para a morte celular por apoptose. E é assim que a frase “prefiro morrer do que perder a vida” se encaixa nesse contexto: no sentido de "sacrifício" da morte em troca do bem estar do organismo como um todo.




*Uso aqui o termo "grosso modo" porque sabe-se que para que uma célula com danos gere um tumor são necessários uma série de eventos intermediários como a iniciação, progressão e promoção.

terça-feira, 15 de março de 2016

Um pedido de desculpas: O vírus deu Zica.

Há alguns dias postei um parágrafo no facebook demonstrando meu senso crítico sobre Zika vírus com as seguintes palavras:

"Por que ninguém divulga quantos casos de mulheres grávidas com Zica vírus não tiveram seus filhos com microcefalia?
Não destrato os dados epidemiológicos, mas não é (apenas) a relação de causa e efeito que demonstra o que acontece na real. Precisamos de mais dados científicos, estudar mais, mais pesquisa de bancada em cima disso.
Teria alguma coisa por trás desse alarde feito na mídia? Não sei! Mas esse questionamento não sai da minha caixola!"

Dias depois, venho eu agora aqui pedir desculpas! Não volto atrás quanto à percepção crítica do processo; ainda acho que tem muita gente se oportunizando do alarde encarecendo seus produtos e raquetes inseticidas. Meu pedido de desculpas vai para a comunidade científica que tem se dedicado de forma incansável em estudos direcionados para isso. Tendo em vista a urgência em saber as verdades sobre Zika vírus e seus efeitos, imagino que esse seja um trabalho que requer tempo e dedicação em dobro.

Em remissão à minha falha, fiz uma busca na internet e encontrei algumas das informações científicas relevantes sobre o tema para compartilhar, o qual descreverei a seguir:

A infecção do Zica vírus apareceu décadas atrás na África e permaneceu por lá até a década passada, quando chegou na Ásia e agora na América do Sul e Central. O vírus é transmitido pelo mesmo vetor da dengue (Aedes aegypti) e provoca sintomas brandos em pessoas afetadas. A grave questão sobre o assunto é a suspeita de efeitos sobre o desenvolvimento embrionário. Essa suspeita surgiu a partir de dados epidemiológicos apontando uma alta relação entre mães acometidas pela virose com filhos afetados por microcefalia (cérebro pequeno anormal). Na busca feita na internet, um artigo em especial me chamou bastante atenção e com dados bastante  relevantes sobre o tema (colocarei a referência ao final do texto para quem tiver mais interesse). É um estudo de caso de uma mãe grávida que teve a doença enquanto estava vivendo no Brasil. Após voltar para Europa, uma ultrasonografia realizada com 29 semanas revelou microcefalia com calcificações no cérebro fetal e placenta. A mãe pediu interrupção da gravidez* e uma autópsia fetal foi realizada. O vírus foi encontrado no tecido cerebral fetal acompanhado de lesões graves no cérebro. Nesse estudo de caso, não houve alterações patológicas em outros órgãos fetais para além do cérebro, sugerindo um forte "preferência" do vírus pela região cerebral, embora o mecanismo envolvido com isso não esteja claro. 

Além do Zika, muitos agentes como esse já foram retratados por causarem graves efeitos sobre o desenvolvimento fetal. Fatores que envolvem malformações ao nascimento são denominados teratógenos (palavra derivada de modo deselegante da palavra grega para monstro, mais -gen, que significa causa). Um exemplo de teratógenos bastante conhecido é a Talidomida, um sedativo amplamente utilizado nos anos 50, capaz de causar malformações ao nascimento gerando a síndrome de talidomida. Outro exemplo é o álcool, capaz de causar efeitos graves no sistema nervoso central  por ser altamente tóxico ao encéfalo em desenvolvimento. 

O fato de teratógenos causarem efeitos sérios no nascimento e, por vezes, terem nenhum ou pouco efeito em pacientes, ocorre porque vias moleculares e celulares são diferentes durante o desenvolvimento e na vida adulta (aliás, algumas dessas vias são usadas somente durante o período embrionário; em adultos essa via pode não funcionar mais ou ter um propósito totalmente diferente). Isso pode explicar o fato da virose da zika causar efeitos tão brandos em adultos e com uma suspeita de efeitos tão graves no desenvolvimento.

Como visto, muitos mecanismos estão envolvidos e podem interferir no processo de desenvolvimento. Hoje, muitos estudos têm se voltado para a influência de fatores ambientais na ocorrência de defeitos congênitos. Conhecer o efeito de determinadas substâncias sobre a malformação fetal é essencial. Estudar sobre isso é também cuidar de nosso futuro, de nossos filhos e netos.

*No Brasil, é permitido interromper gravidez no caso de estupro, mas não há legislação a favor em caso de malformações.

Referência:
Mlakar et al. Zika Virus Associated with Microcephaly. The New England Journal of Medicine, February, 2016.  

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Telômeros: o relógio molecular do envelhecimento




Raimunda Faustino de Souza é uma senhora de 96 anos, viúva, 11 filhos e possui uma saúde física e mental admirável considerando seus mais de 35 mil dias vividos. Os mais próximos de Dona Raimunda relatam que ela sempre teve uma vida saudável acompanhada de boa alimentação e convivência familiar. O desejo de uma boa velhice é um futuro que todos queremos, mas para isso precisamos entender que os semeios desta colheita começam agora, já na vida atual. Para entender isso, vamos mostrar hoje como que a genética e os estilos de vida podem garantir uma boa saúde futura.

Todos nós sabemos que o DNA é o nosso material genético. Esse material está confinado dentro do núcleo das células e durante o processo de divisão celular cada filamento de DNA encontra-se de forma compactada e formam estruturas individualizadas, denominadas cromossomos (Observe na Figura 1). Nós humanos possuímos 46 cromossomos, o que corresponde a 46 moléculas de DNA; 23 recebemos do pai e 23 da mãe. 

 

Figura 1. O DNA está dentro do núcleo das células. Durante a divisão celular cada filamento de DNA 
encontra-se individualizado de forma compactada em estruturas denominadas de cromossomos.

O cromossomo possui uma estrutura peculiar em suas extremidades que são denominadas de telômeros (Figura 2a). Essas estruturas são responsáveis pela integridade dos cromossomos, sendo capazes de proteger contra o processo de degradação e impedir a ligação com outros cromossomos, por exemplo. Eles funcionam como fitas isolantes das extremidades. Comparando com os cadarços de um sapato, os telômeros seriam como as pontas isolantes que não permitem que os cadarços sejam desfiados e se desfaçam.

A cada vez que a célula se divide, os telômeros dos cromossomos são encurtados de tal forma que chega um momento em que eles se tornam tão curtos que as células não são mais capazes de dividir levando a destruição dos cromossomos e à morte celular É por isso que os telômeros funcionam como um relógio molecular. Assim, a maior parte das células do nosso corpo são capazes de um número limitado de divisões. Uma exceção a esse processo ocorre nos gametas ou células germinativas. Elas contém uma enzima especial, denominada telomerase, capaz de manter os telômeros em tamanhos sempre constantes. Essa enzima, em condições normais, não é expressa no restante das células do corpo, entretanto, muitas células de câncer tornam-se capazes de expressá-la e a célula adquire uma capacidade ilimitada de se dividir. Logo, isso parece ter uma provável relação direta com o processo de progressão tumoral.

O fato dos telômeros serem considerados um relógio molecular do envelhecimento advém do fato de uma correlação muito forte entre a diminuição do tamanho dos telômeros de acordo com o passar da vida. Uma das primeiras evidências disso foi observada na clonagem da ovelha Dolly. Desde muito cedo, o clone desenvolveu características do processo de envelhecimento e após 6 anos de vida morreu precocemente devido a uma doença crônica e degenerativa nos pulmões. Como o clone foi advindo de células adultas de outro indivíduo, vários ciclos celulares já teriam ocorrido mesmo antes que a ovelha nascesse.

Outra evidência bastante forte para o encurtamento dos telômeros durante o processo de envelhecimento ocorre em indivíduos que possuem uma síndrome rara conhecida como Progeria, onde crianças desenvolvem características de envelhecimento desde o nascimento, tornando-se progressivo já nos primeiros anos de vida (Figura 2b).

Figura 2. a) Telômeros sinalizados em verde na ponta de todos os cromossomos (Foto: Adauto Cardoso). 
b) Menina com progeria aos 15 anos de idade (Snustad e Simmons, 2008).

Tendo em vista o conhecimento adquirido a respeito do processo dos telômeros enquanto relógio molecular do envelhecimento, pesquisas atuais têm relacionado também um papel importante da dieta e do próprio estilo de vida no progresso do processo de encurtamento dos telômeros. Estudos recentes apontam que muitos fatores podem contribuir para o encurtamento mais acelerado dos telômeros, dentre os quais destacam-se o papel da nutrição, prática de exercícios físicos, estresse e fatores psicológicos. Uma correlação positiva no processo de encurtamento dos telômeros já foi vista em relação a fatores como a depressão, estresse, traumas de infância, pessimismo, consumo de carne processada e índice de massa corporal elevado. Por outro lado, uma combinação entre boas práticas de exercícios físicos com uma dieta saudável parece minimizar esse processo.

Diante de tudo isso e tendo e vista o modelo atual da vida moderna, nos tornamos muito propensos a sofrer vários efeitos de um estilo de vida inapropriado. Portanto, cuidar da saúde do corpo e da mente representa uma boa estratégia para a manutenção do nossos genes saudáveis e evitar que nossos cabelos brancos cheguem mais cedo.